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Gestantes

Esta seção vai ajudar as gestantes a entenderem melhor o milagre da gravidez

Plantão Médico – Eu não disse doutor?

O Dr. Roberto terminou sua aula. Os alunos se levantaram e foram saindo, mas um deles, que estava sentado bem no fundo do auditório, permaneceu dormindo. Precisou ser acordado por um colega.

-“Ei, acorde aí! O que foi, você deu plantão esta noite? – perguntou o amigo. –“É, dei plantão, sim, na UTI-neonatal, e não dormi quase nada…”- queixou-se o dorminhoco. –“E hoje, já viu, estou direto, trabalhando, aulas… não tem moleza!”

-“Com quem foi seu plantão? Com a doutora Marilú, aquela gatinha?” – indagou o primeiro. –“Que nada, foi com o doutor Antonio, o mal-humorado. Mas, verdade seja dita, ele anda mais calmo. Aliás, ele até nos contou o motivo dessa melhora.” – retorquiu o sonado.

-“Mas que milagre foi esse? “ – surpreendeu-se o amigo. “Conte tudo para mim, agora!”

-“Bom, você conhece o doutor Antônio, ele não é de falar muito… mas o que ele disse foi surpreendente:”
* * * * *
Tudo começou quando o doutor Antônio conheceu Mário, o pai de uma paciente.

Mário era um homem simples, sempre sorridente. Não que ele fosse especialmente alegre, ou de bem com a vida. É verdade que ele tinha um bom astral, uma boa energia. Mas esse seu sorriso freqüente era meio misterioso. Talvez fosse uma forma de se relacionar com as pessoas, um truque para abrir portas e corações neste mundo atual tão difícil.

O fato é que seu sorriso às vezes parecia meio deslocado. Especialmente em alguns ambientes, como, por exemplo, a UTI-neonatal, onde sua filhinha estava internada. Ela nascera com apenas vinte e oito semanas de gestação e oitocentos e cinqüenta gramas de peso, era um bebê extremamente prematuro.

Mário e sua esposa iam visitá-la diariamente, pela manhã e à noite. Ele sempre sorridente e ela sempre calada. Nunca reclamavam de nada.

O ambiente de uma UTI normalmente é tenso, difícil. Os pacientes geralmente estão em estado grave, sofrendo, lutando pela vida. Os profissionais suportam o grande peso de sua responsabilidade. Os pais, então, passam por sentimentos de culpa, de desespero, de impotência, negação, revolta, perda… O resultado de tudo isso pode se traduzir em uma grande dificuldade de comunicação entre a equipe e a família. Às vezes situações mais simples e benignas, são vivenciadas pelos pais com grande dificuldade. Ou então situações muito graves não conseguem ser assimiladas, a família acha que tudo está correndo bem, tudo vai dar certo. E são surpreendidos por um desfecho negativo, que já era previsto e anunciado.
Um exemplo dessa dificuldade mútua de comunicação foi o que ocorreu certa vez. Um bebê estava respirando através do aparelho de ventilação mecânica. Às vezes a transição da vida intra para a extra-uterina para é difícil, e os bebês podem ter dificuldades para respirar. Quando isso ocorre por falta de oxigenação, diz-se que o bebê teve uma depressão respiratória, um quadro potencialmente grave. O pediatra tentava explicar para o pai da criança a origem e a gravidade do quadro. Mas o homem não entendia.

–“O seu filho teve um quadro respiratório grave e nasceu muito deprimido.” – insistiu o médico. – “Ah! Agora entendi” – disse o pai. – “Na minha família tem muitos casos de depressão, eu mesmo tenho que tomar sempre uns remedinhos senão fico muito triste, dá até vontade de morrer…”

Não é fácil. Para ninguém. Exceto, talvez, para o Mário e seu sorriso. Infelizmente, sua bebê teve várias complicações. Não conseguiu respirar sozinha, teve de ser entubada. Teve infecções graves e tomou vários antibióticos.

Mas o Mário não se abalava. Entrava na UTI sorrindo, ficava ao lado da incubadora conversando com sua filha. Depois ia para a sala do plantonista, onde entrava sorrindo para conversar com o médico.

-“E aí, doutor?”- perguntava o Mário, sempre sorrindo– “Como está minha filhinha hoje?” E sentava-se calmo e inabalável para ouvir as más notícias, que a cada dia eram piores.

Durante a longa internação, Mário conheceu todos os plantonistas da equipe daquela UTI. Nestas equipes existem sempre os otimistas e os pessimistas, os mais simpáticos e os mais antipáticos. Os pés-quentes e os pés-frios. Os bem humorados e os mal humorados. Entre estes últimos havia um que se destacava pelo extremo e constante mau humor, o Dr. Antônio. Competente ele era, mas que mau gênio…

Tudo irritava o Dr. Antonio e especialmente, nos últimos tempos, o sorriso do Mário. Ele achava muito difícil dar as más notícias diárias para alguém que, no seu modo de ver, parecia reagir de forma tão inadequada.

E por uma dessas inexplicáveis químicas das relações interpessoais, o Dr. Antônio era o plantonista preferido do Mário. Ele ouvia as notícias em silêncio. – “Hoje sua filha piorou, os rins não estão funcionando, tivemos que fazer uma diálise peritoneal para retirar as impurezas do sangue”- era a péssima novidade anunciada pelo médico. E no final da conversa o Mário, sorria e dizia, para desespero de Antônio: – “Doutor, eu ainda vou levar esta bebê para o senhor cuidar em seu consultório, o senhor vai ver…”

Mas a evolução foi sempre desfavorável, complicações e mais complicações se sucederam. E após mais de quarenta dias de internação na UTI-neonatal, a filhinha de Mário faleceu. Naquele dia, ao ouvir a notícia, a sua reação foi discreta. Uma profunda tristeza apareceu em seu semblante, mas seu sorriso não desapareceu, apenas ficou pela metade. Não se desesperou, só abaixou um pouco a cabeça e balançou-a de leve. Com poucas palavras agradeceu à equipe por tudo e se foi, junto com a esposa.

A terrível rotina diária da UTI prosseguiu, outros casos graves vieram, muitos bebês se curaram e foram para casa, outros infelizmente não…
* * * * *

Cerca de dois anos depois, o mal humorado Dr. Antônio estava trabalhando em seu consultório. Já havia atendido vários pacientes naquele dia, quando sua secretária colocou mais uma ficha em sua mesa. Um paciente novo, um menino recém-nascido, primeira consulta. Antônio pediu à secretária que mandasse a família entrar.

Quando a porta se abriu, a surpresa. Era o Mário, com sua esposa e um bebê no colo. E o seu sorriso, o maior que Antônio jamais vira. Ainda na porta, antes de dizer boa tarde, Mário deu o xeque-mate:

-“Eu não disse, doutor, que ia trazer um bebezinho meu para o senhor cuidar?“

* * * * *

O menino cresceu saudável, agora já está grande. Deu pouco trabalho para o médico e para a família. Eles vêm freqüentemente ao consultório, para as consultas programadas. Mas nunca conversaram sobre a morte da menina. E até hoje o doutor Antônio não conseguiu decifrar o misterioso sorriso de Mário. Não sabe se por trás dele está uma grande alegria de viver, um otimismo sem limites. Ou apenas uma forma simples, até simplória, de ver a vida. Mas que tornou Mário capaz de enfrentar uma grande tragédia com tanta força.

Nesta implausível relação com Mário, Antônio aprendeu algo. Deixou de se perturbar tanto com coisas pequenas. Não é mais tão mal humorado. Seus companheiros de trabalho perceberam a mudança. Dizem até, que um meio sorriso misterioso anda aparecendo às vezes em seu rosto, nas horas mais difíceis…

Ruy do Amaral Pupo Filho
Pediatra, Sanitarista e Escritor

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