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Gestantes

Esta seção vai ajudar as gestantes a entenderem melhor o milagre da gravidez

Plantão Médico – Vidas trocadas

Manhã normal de trabalho em um grande hospital brasileiro, a Maternidade Bom Parto. Instalada em um grande e moderno edifício de sete andares, era um hospital de referência em sua cidade. No quinto andar, o Centro Obstétrico fervilhava de atividade. Eram dez salas de cesarianas e todas estavam sendo usadas. Bebês não paravam de nascer! A única sala vazia era a de parto normal…

Para descansar após uma cirurgia, ou aguardar para realizar a próxima, os médicos se reuniam em sua ampla sala de repouso. Eram obstetras, pediatras e anestesistas. Havia desde os professores, experientes, até os residentes, novatos. E a maioria era de mulheres, como já ocorre nas faculdades de medicina há algum tempo.

Na confortável sala, havia sofás, televisão, sucos gelados e muito cafezinho. A conversa corria solta, mas quem mais falava eram os veteranos. Os novatos ficavam escutando, prestando atenção no que diziam os “velhos”, a voz da experiência… Só abriam a boca quando solicitados.

Havia aqueles que se viam quase todos os dias, e outros que não se encontravam há muito tempo. Muito assunto para ser colocado em dia, muita “fofoca”, muitas histórias. E havia ainda as lições e ensinamentos que precisavam ser passados aos residentes.

Os temas das conversas eram os mais variados. Mas, particularmente entre os anestesistas, um assunto em especial dominava a conversa. O automóvel. Qual o último modelo lançado, o último adquirido. O preço pago… Importado ou nacional? Isso entre os velhos profissionais é claro. Os mais novos ainda estavam pagando, com dificuldade, as prestações do financiamento do carrinho usado…

Num canto da sala, o Dr. Delano, Professor Titular de Obstetrícia de uma faculdade de medicina, acabara de fazer uma cesariana. Sessenta e cinco anos de idade, quarenta anos de experiência. Dr. Delano era um médico e professor à moda antiga. Profundo conhecedor da obstetrícia, um médico brilhante, mas muito austero. Era ao mesmo tempo respeitado e temido por todos. Enquanto descansava, confortavelmente sentado no sofá, conversava com outros médicos, alguns deles seus assistentes na faculdade. E sempre observado, com reverência, pelos residentes.

-“Pois é”- dizia o Dr. Delano –“atualmente uma troca de bebês dificilmente ocorre. Todos os cuidados são tomados com a imediata identificação dos bebês logo após o parto. Colocação de pulseiras, impressões digitais e plantares… E, além disso, em grandes hospitais, como este, colhe-se ainda na sala de parto amostras de sangue da mãe e do bebê, que são guardadas por toda a vida. Em caso de necessidade, elas podem ser usadas para identificação pelo DNA.”

-“E como era antes do DNA?” – atreveu-se a perguntar uma residente de pediatria. –“Você por acaso está me chamando de velho?” – perguntou provocativo o Dr. Delano. Mas em seguida respondeu: -“Bem, quando ainda não estava disponível a técnica do DNA, tentava-se a identificação pela tipagem sanguínea. O que apenas permitia, em alguns casos, afastar-se a possibilidade de um homem ou mulher ser o pai ou a mãe de um bebê. Características físicas também eram usadas, mas a verdade é que era muito precário. Por isto mesmo houve casos bem complicados… –“Ariel” – disse o Dr. Delano dirigindo-se para um assistente, -“conte para esta jovem aquele caso que aconteceu com você anos atrás.”

Dr. Ariel, o assistente, já nos seus quarenta anos, perguntou, feliz por ter sido lembrado: -“aquele caso das vidas trocadas?” –“Esse mesmo”- respondeu o Dr. Delano. –“Bem, aquilo aconteceu quando eu era recém-formado e trabalhava em um hospital de periferia. Não foi comigo, mas eu acompanhei toda a história” – disse Dr. Ariel, iniciando seu relato.
                               *            *             *            *             *
         
           Era madrugada alta. Naquela periferia de cidade grande, o silêncio cobria as casinhas feias e mal-acabadas. Prestando-se atenção, era possível ouvir um gemido que vinha da casa n. 3.580, número da ligação da companhia elétrica. Era a casa de Marta, que com um barrigão de nove meses, passara a noite chorando baixo, tentando sufocar a dor do trabalho de parto.

Ela agüentou o quanto pôde. Só concordou em ir para o hospital na última hora, atendendo aos apelos da família. Quase não deu tempo, chegou com o bebê nascendo. Não foi possível nem levá-la ao centro obstétrico. O parto aconteceu no pronto-socorro mesmo, feito às pressas. Nasceu uma menina, moreninha como a mãe!

Quem trabalha em emergência conhece a regra, que nunca falha: casos semelhantes, especialmente os menos comuns, aparecem sempre aos pares. É conhecida entre os médicos como “lei de Velpeaux”.

 Pois na mesma hora chegou Fabiana, também em trabalho de parto expulsivo. Nova correria no pronto-socorro, os médicos e enfermeiras se dividiram para atender às duas pacientes. Nasceu outra menina, moreninha, como a que nascera poucos segundos antes.

 As equipes que atenderam às duas pacientes eram acostumadas com emergências, mas não com as normas da maternidade. E por este motivo deixaram de realizar um procedimento básico, fundamental. Identificar os recém-nascidos imediatamente, com a colocação de pulseiras que contém os dados do nascimento, como o horário, nome da mãe e sexo do bebê.

As duas meninas nasceram em boas condições. Mas na pressa de socorrê-las, foram levadas às pressas para o berçário e colocadas em incubadoras para aquecimento.

Sem pulseiras, sem prontuários.

Quando finalmente chegaram as papeletas do pronto-socorro, um grande problema surgiu. Ninguém sabia dizer qual correspondia a cada bebê.

 A combinação de uma seqüência de fatores adversos produziu a catástrofe. Como numa queda de avião, bastaria que um deles não ocorresse e o resultado final seria outro.

 As duas mães demoraram a procurar o hospital, a coincidência da chegada simultânea, as equipes de pronto-socorro despreparadas para identificarem as crianças…

 Frente à perplexa e assustada funcionária do berçário, estavam agora duas meninas, muito parecidas. E ela não tinha a menor idéia de como diferenciá-las.

 E agora? Qual era o bebê de Marta? E o de Fabiana?
    *        *          *         *          *          *
 A notícia da confusão correu agitando todo o hospital.

 Assim que as mães se recuperaram, foram chamadas para uma reunião no berçário. Presentes o diretor clínico, o pediatra-chefe, a enfermeira responsável pela maternidade e as duas meninas.

 Em ambiente sério e grave, a situação foi explicada para Marta e Fabiana, que embora abaladas, reagiram de forma diferente.

Marta não teve duvidas. Apontou uma das bebês e disse com convicção e voz firme:
- “Esta é a minha filha!”
 
 Fabiana, chorando muito, confessou-se incapaz de diferenciá-las:
 - “Foi tudo tão rápido e elas são tão parecidas… Eu não sei qual é a minha filha!”

 O impasse estava criado. Sem acordo entre elas, seria necessário realizar exames para tentar identificar as crianças. Na época o exame pelo DNA era extremamente caro e de difícil obtenção. O método mais utilizado era de identificação através da tipagem sanguínea.

Amostras de sangue dos pais, mães e bebês foram colhidas, e os testes feitos com a maior rapidez possível.

 Resultado: inconclusivo. Como a maioria da população brasileira, todos tinham o mesmo tipo de sangue, letra O, fator Rh positivo.

Não havia outra alternativa. O hospital, apesar de simples e pobre, resolveu superar as dificuldades e bancar os custos para realizar o teste definitivo do DNA.

Apesar da expectativa, até aquele momento as mães tinham acompanhado tudo com surpreendente calma, paciência e compreensão.

Mas as coisas pioraram muito quando, em nova reunião, Marta e Fabiana foram informadas da necessidade de realização do teste de DNA.

Marta se revoltou. Perdeu a calma e levantou-se gritando:
- “Eu não vou fazer mais nenhum exame! Eu sei qual é a minha filha!”

Fabiana mais uma vez se pôs a chorar convulsivamente, inconsolável. Após algum tempo, entre um soluço e um gemido, disse com voz embargada:
- “Eu não posso… eu não posso fazer esse teste, senão tudo vai ser descoberto…”

Todos se calaram e durante um tempo ouviu-se apenas o choro baixinho de Fabiana.

O diretor do hospital quebrou o silêncio:
- “Tudo o que, Fabiana? O que é que vai ser descoberto? Pode falar, nada do que for dito vai sair destas quatro paredes!”

 A resposta de Fabiana surpreendeu a todos:
 - “O meu marido não é o pai da criança, eu não posso fazer o teste do DNA!” – disse ela chorando ainda mais.

 Surpresa total na sala! E agora? Como resolver o impasse?

Após alguns segundos de expectativa, Marta, que também aparentava estar surpresa, disse calma e resignadamente, causando espanto ainda maior:

- “Bom, Fabiana, já que você falou, eu também vou confessar. Eu disse que sabia qual é minha bebê, mas não tenho certeza. Fiz isso porque, por incrível que pareça, o meu marido também não é o pai da minha filha. Aliás, fiz de tudo para ela nascer em casa, pois eu sabia que se viesse para o hospital poderia ser descoberta. Só nunca imaginei que seria deste jeito…”

 Já mais calma, talvez confortada pela confissão de Marta, Fabiana deu a solução:

 -”Bom, já que a Marta acha que sabe qual é a filha dela, não tem problema, me dêem a outra que eu levo, tudo bem…” – suspirou resignada, pensando que era melhor o risco de levar a filha errada, do que o de ser descoberta pelo marido.

 E assim foi feito. Mas só após a celebração de um pacto entre todos os presentes, de que os fatos verdadeiros jamais seriam revelados a ninguém.  A versão oficial foi de que, após um exame atento, as mães haviam reconhecido as filhas.

 Caso encerrado. Nunca mais foram vistas ou se ouviu falar delas.

 
    *        *        *        *          *          *
 Mas hoje, muitos anos depois, como estará a vidas destas meninas? Será que elas foram mesmo trocadas?

Nestas famílias há dois homens que pensam ser pais, mas não são. E há duas mulheres que são mães, mas não sabem com certeza quem são as suas filhas…

E ainda duas crianças que provavelmente jamais saberão quem são seus verdadeiros pais e mães.

Com tantas interrogações e confusões, dá vontade de pelo menos imaginar um final feliz para esta história.

E se Marta e Fabiana ficaram amigas, quem sabe até comadres? Ou vizinhas? Compartilhando as filhas, além do mesmo e incrível segredo.
Será que suas filhas cresceram juntas? Muito amigas, quase irmãs?

 A ironia é que, assim como as vidas, nesta história os nomes também foram trocados, para evitar a identificação…

Ruy do Amaral Pupo Filho
Pediatra, Sanitarista e Escritor

 
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